Publicado por: Painel Internacional | março 22, 2011

Odisséia do Amanhecer: A Guerra da Líbia começa

A guerra na Líbia torna-se internacional: começa a Operação “Odisséia do Amanhecer”

Até sábado, pelo menos 100 mísseis de cruzeiro Tomahawk foram disparados  a partir dos destroyers norte-americanos USS Barry e USS Stout contra alvos em solo líbio. Caças franceses e ingleses também são a ponta de lança da operação. Apoio de outros países da OTAN, além dos Emirados e do Qatar, também é esperado. A guerra na Líbia transborda, mas qual é o seu objetivo concreto e quais serão os limites impostos pelas circunstâncias?

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Pois bem. A Resolução 1973 (2011) do Conselho de Segurança das Nações Unidas foi aprovada nesta última sexta-feira, 18 de março, autorizando uma série de medidas contra as atuais ofensivas militares do Coronel Kadhafi a alvos rebeldes e civis, sobretudo no leste da Líbia. Em uma sábia manobra diplomática, a Resolução da ONU atendeu oficialmente aos apelos da Liga Árabe para que se declarasse uma zona de exclusão aérea (até que ponto esses apelos foram espontâneos ou não é certamente controverso, porém diplomaticamente necessário para adensar o respaldo multilateral). As declarações do premier britânico David Cameron, do presidente norte-americano Barack Obama e o homólogo francês Nicolas Sarkozy tiveram a constante preocupação de serem explícitos quanto a atuarem no marco de uma ação multilateral (trauma pós-Iraque?!).

A resolução foi além da zona de exclusão aérea e previu “todas as medidas necessárias” para conter os ataques às populações civis. Isso significa a previsão de ataques em solo, além do congelamento de ativos financeiros e do deslocamento internacional de determinadas figuras do regime líbio. Apesar de a Resolução não ter previsto qualquer força de ocupação, isso será um desafio diante do esforço futuro de garantir a transição pacífica ao único interlocutor internacionalmente reconhecido, o Conselho Nacional de Transição Líbio.

E é aqui onde reside a questão fundamental: qual é o objetivo FINAL da ação e quais serão os meios viáveis para alcançar tal objetivo? A resolução é clara quanto à proteção de civis líbios, mas como garantir isso a longo prazo? Meramente atacando posições Khadafistas? Ou assegurando uma mudança de regime? Mas se precisar mudar o regime, como fazê-lo sem tropas em solo, sejam estes peacekeepers, peacemakers ou peacebuilders? Com tropas em solo, quais serão os limites possíveis de uma intervenção, tanto do ponto de vista militar como político? E a logística? E como fazer com o orçamento já estourado dessas mesmas potências? São perguntas sem respostas que turvam os objetivos, a avaliação dos riscos e o limite do possível do mandato estipulado pelas Nações Unidas.

O perigo real é que as forças envolvidas sejam inocentemente tentadas a seguir o coelho afobado, caindo no buraco sem fim do modelo de pacificação do Kosovo. Se uma experiência foi clara nesses últimos 15 anos é que não se deve entrar em um cenário como esse sem ter em mente uma estratégia de saída concreta, factível e sustentável.


Respostas

  1. Como professora de Relações Internacionais, estudiosa de Política Internacional e pesquisadora do Direito Intenacional, quero parabenizar pela avaliação e fazer apenas um pequeno comentário:
    Primeiro: Essa guerra é apenas porque Khadafy se recusou a assinar um contrato de concessão de exploração de petroleo para a ESSO ( francesa) e para a Bristian Petroleun. Segundo. Antes do bombardeio militar que estar matando inocentes na Libia veio o bombardeio midiático, com um terço dos recurso destinados a essa guerra. E terceiro concordo com a ideia de um professor de Direito Intenacional e Analista Político Internacional que ví dá uma entrevista num canal de televisão em Brasilia, Professor ACILINO RIBEIRO: ” O imperialismo com suas ações terroristas e assassinas, tanto nas guerras do Afeganistão como do Iraque e agora na Líbia mostra que enquanto o mundo quer a Paz fazendo prevalecer a força do direito, de viver em Paz, o império yanke e seus aliados fazem prevalecer o direito da força. Só vão parar quando OBAMA, SARKOZI, CAMERON e a terrorista HILARY CLINTON forem julgadaos e condenados perpetua por um Tribunal Internacional de Crimes de Guerra”. CONCORDO

    • Agradeço o comentário e fico especialmente motivado quando há interação com os artigos. Afinal, o propósito do blog é servir de palco para isso mesmo. Não cabe a mim retrucar, mas gostaria apenas de fazer algumas ponderações adicionais em nome de uma polêmica saudável:

      1) Como bem sabe, uma guerra, qualquer que seja, não pode ser explicada partindo da análise de um só fator, assim como a arquitetura de um prédio não pode ser explicada analisando apenas um tijolo da construção. Dizer que a guerra é “apenas” porque Khadafi recusou-se a assinar um contrato de exploração de petróleo com multinacionais do ramo é, no mínimo, incompleto (seja no caso de um contrato com a BP, seja no caso com a Esso que, aliás, não é francesa e, sim, norte-americana, fundada pelo famoso Rockefeller). Afinal de contas, tenho sinceras dúvidas quanto ao modismo de explicar o que ocorre nas relações internacionais contemporâneas como se tudo ocorresse exclusivamente ou primariamente por conta do petróleo (explicação essa usada no caso da Guerra do Iraque e que, de tão exaustivamente usada, oculta várias outras matizes do tema). Existem elementos essenciais para desenhar uma explicação da guerra na Líbia, tais quais: o complexo histórico de relacionamento entre Líbia, a região e os países ocidentais há décadas; a política doméstica da própria Líbia e suas divisões regionais; as pressões da política doméstica dos vários países envolvidos na ação (entre eles, países árabes); a própria configuração desse conflito (aliás, muito diferentes do ocorrido na Tunísia e no Egito); etc, etc.

      2) Qual é a fonte do dado sobre os recursos destinados à mídia? Gostaria de saber para aprofundar mais sobre essa questão. Tenho dúvidas sobre até que ponto é possível fazer esse cálculo… Até que ponto é possível atribuir um valor aos gastos de mídia durante uma guerra, como se inferisse que os veículos de informação fossem todos eles direcionados por uma “mão invisível” para obter apoio do público para um esforço militar? Essa concertação é realmente factível em um mundo tão plural como o nosso atualmente? Será que é tão improvável pensar em uma pressão doméstica sem uma manipulação deliberada no caso da Líbia, uma vez que a ‘tolerância humanitária’ da opinião pública é cada vez menor?

      3) Quanto às falas do Professor Acilino Ribeiro, honestamente discordo, apesar de conhecê-lo muito bem por ter sido meu aluno. Existe aí uma atribuição exclusiva de que os males do mundo acontecem somente por causa de países ocidentais desenvolvidos e por seus líderes arquimaquiavélicos. Sinceramente, não vejo “o mundo querendo a Paz fazendo prevalecer a força do direito” e, muito menos, a própria Líbia khadafista querendo e fazendo o mesmo. Aliás, que “mundo” é esse ou qual parte dele? Que “Paz” é essa com ‘P’ maiúsculo? Existe consenso de como chegar a essa suposta Paz? E, se existe consenso, como esse “mundo” unitário manifesta uma opinião tão concertada? Pelo contrário: a rigor, a ação está, ela sim, fazendo a força do direito regido pelos princípios e convenções internacionais por meio da legitimidade de uma ação autorizada por um órgão multilateral (afinal, nenhum país, nem mesmo a China ou a Rússia, desautorizaram a resolução do Conselho).

      Em resumo, não devemos cair na tentação de enxergar uma conspiração ocidental e corporativista sempre que uma guerra dobra a esquina. Tampouco devemos ser inocentes em não ver os males e os conflitos intestinos de países como a Líbia e de líderes com o longo (e controverso!) histórico de Khadafi.


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